sábado, 1 de fevereiro de 2014

Abrindo os trabalhos

Suponho que ninguém goste muito de rótulos, e imagino que seja basicamente pelo elemento redutor contido na ideia de que toda uma gama de possibilidades seja simplificada e reduzida à um único aspecto. Contudo, quando se trata de Literatura, ao menos no que tange a organização de uma prateleira de livros, creio que a aplicação de rótulos parece benéfica quando ajuda um leitor a encontrar mais obras no mesmo tema, estilo ou gênero.
A ideia desse blog veio ao longo do tempo, inspirada e motivada por conversas com amigos e conhecidos, reais e virtuais. A inspiração veio, inicialmente, quando visitei a Waterstone's de Picadilly, em Londres, que clamava ser a maior livraria da Europa. E lá, o que mais me impressionou foi a diversidade na separação dos livros nas prateleiras. Não uma grande sessão de literatura nacional e outra de literatura estrangeira, como acontece geralmente aqui, mas sessões específicas por temas - "romances históricos", "mangás", chegando até subgêneros específicos como "policiais escandinavos", e "literatura gay", esta com uma série de subdivisões. E por literatura gay não se entenda os livros de fotografia homoerótica lustrosos que se esconde nos cantinhos das lojas, mas autores e obras, de gêneros e subgêneros como romances históricos ou ficções literárias, que fossem de interesse para leitores LGBT.
Mas o que seria uma leitura de interesse gay? Aceitando-se que a experiência da leitura é e sempre será individual, e um livro responde ou incita questionamentos ao leitor conforme o tipo de ansiedade ou experiências muito particulares à sua vida pessoal, a certo momento notei-se que a grande maioria dos livros que lia tratavam de personagens que nunca precisaram lidar com aceitação ou não de uma identidade sexual, ou que isso influenciasse na sua forma de interagir com outros personagens. Quando a desculpa da universalidade do personagem serve apenas ao propósito de escrever (mais uma) história de homem branco hétero cristão de classe média, a universalidade se perde - é apenas a imposição de uma leitura muito restrita sobre o todo. Ou, em outros casos (o Ishmael de Moby Dick é um, o narrador de Bonequinha de Luxo é outro), a ausência de uma clara alusão à sexualidade do personagem leva à interpretação de que ele seja hetero, mesmo que vários sinais e códigos tenham sido espalhados pelo autor indicando o contrário. Ou pior ainda, quando uma voz de intensão claramente homossexual, como em metade dos Sonetos de Shakespeare, é heteronormatizada ao longo do tempo por pudores de seus tradutores, que trocam o sexo do objeto de louvores do masculino para o feminino.

Por último, é importante frisar que os comentários que faço neste blog são pessoais, e derivam da relação pessoal que desenvolvi com a leitura de cada livro, independente da importância histórica que este ou aquele teve (quando é o caso, eu saliento), ou do quanto a excelência estilística de um determinado autor indifere na minha apreciação puramente emocional do texto. A seleção dos livros foi feita com base nos meus dois critérios favoritos: o acaso e a aleatoriedade. A razão dessa pesquisa não teve nada de acadêmico, e foi razoavelmente orientada por A History of Gay Literature: The Male Tradition, de Gregory Woods, livro que busca estabelecer uma espécie de cânone ocidental de literatura de interesse homoerótico com foco na experiência gay masculina. Não tenho interesse em discussões acadêmicas (até por falta de maior embasamento teórico da minha parte, já que passei longe da faculdade de Letras) e se este blog possui um objetivo, pode-se dizer que é o de promover livros que, na minha opinião, merecem ser lembrados e discutidos. Além de servir, eventualmente, como guia de leitura para quem se interessa pelo assunto.

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Serviço:
A History of Gay Literature - The Male Tradition
Autor: Gregory Woods
Editora: Yale University Press
Ano: 1999
Tem na Amazon e na Livraria Cultura.

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